terça-feira, 28 de setembro de 2010

Aos que sabem envelhecer

Quanta liberdade vamos sentindo a medida que os anos vão se passando. Quanto prazer se sente quando nos permitimos transgredir por sermos mestres de nós mesmos.

A idade e a experiência, a vida bem vivida, trazem a sensação real de paz que se oferece no interior do ser porque nos vai permitindo viver cada dia, cada hora, no aqui, no momento, sem futuro e sem passado. A aceitação do que é, torna-nos maleáveis quanto aos erros e acertos cometidos no cotidiano; divertimos-nos mais com a vida. Vamos deixando de lado os medos que povoam os anos juvenis e avançamos muito mais profundo no desconhecido porque estamos atentos, vendo e passando por eles.

Com o juízo valorativo mais compreendido como fruto de um maravilhoso fluxo cultural, aprendemos mais fácil e mais rápido com os erros e acertos. Desenvolve-se em nós o equilíbrio, o ponto do meio, o olhar mais profundo e amoroso, e, sobretudo, o riso interior.

Deixar de ansiar e estar sempre no novo que a todo o momento acontece é viver a dinâmica do real do mundo, é estar mais irmanado a ele e, portanto, mais interativo com o mundo que acontece no agora. Deixar-se envelhecer é deixar as superficialidades de lado e mergulhar no ser, na inimaginável amplitude do ser.

Quanto mais velho fico, mais liberdade nos olhos vai aparecendo porque as cortinas do medo que antes os cobria vão desaparecendo diante da crescente compreensão dos processos internos de mim. O mundo se torna mais ilusório e mais real ao mesmo tempo porque ao perceber que é passagem é também matéria.

Se com a idade chega a fragilidade do corpo, chega também o fortalecimento do espírito, chega também um maior desabrochar da alma.

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

A educação nossa de cada dia

A educação é prioridade no Brasil diz o presidente Lula. A educação é prioridade na Bahia, diz o governador Wagner. E todos os outros governos brasileiros dizem em coro: a educação é prioridade no meu governo. Isto independente do partido que está no poder.
E por que os políticos dizem isso quando o que vemos em todo o país é uma educação esfacelada, com professores mal pagos, escolas sem infra-estrutura para funcionar, com falta de verbas, com falta de incentivo à capacitação de professores, com materiais didáticos de baixa qualidade, com salas entupidas de alunos, com professores fazendo greve para ter seus direitos atendidos, etc? Porque hoje, todos sabemos, que a educação é básica para o desenvolvimento de um país como provam os vários Estados Nacionais que investiram maciçamente em educação; porque se sabe que a educação é fundamental para o fomento da cidadania e da construção de um país mais justo e igualitário; porque se sabe que está na educação o futuro da humanidade. E esta verdade está em todas as bocas: desde o homem culto até aquelas pessoas analfabetas que lutam para manter seus filhos na escola porque pensam que só ali os filhos podem vir a ter alguma chance neste competitivo mercado de trabalho. E os políticos sabem disso. E falar em educação como prioridade gera votos, gera mídia, gera possibilidade de estar no poder por mais alguns anos. Quiçá, para sempre.
Há alguns anos atrás, havia poucas escolas no Brasil para muitos jovens que não tinham acesso a ela. Educação era privilégio dos filhos de ricos e poderosos fazendeiros donos do poder político, senhores do poder econômico que sabiam que era necessário ter seus filhos uma formação universitária para poderem continuar mandando no país. E assim era feito. Com o passar dos anos o acesso a educação democratizou-se. Aos pobres, a educação foi permitida, aliás, exigida por um sistema produtivo muito mais evoluído que necessitava de uma mão de obra mais qualificada, precisava de uma mão de obra com requisitos mínimos para poder mover uma fábrica ou necessitava de pessoas que soubessem ler o mínimo para entenderem os manuais de funcionamento das máquinas e até de mecanismos simples de computação e automação.
O sistema produtivo atual não aceita mais o analfabeto. Este fica completamente a margem, cabendo-lhe tão somente serviços domésticos e similares. O sistema precisa de mão-de-obra mais qualificada, alguns inclusive com formação universitária. Foi, portanto, a tecnificação do sistema produtivo que levou o Estado Brasileiro a investir um pouco mais em educação segundo as necessidades de um mercado que precisava de mão-de-obra qualificada que pudesse dar andamento à máquina burocrática, técnica e produtiva do país e... só isso. Infelizmente não houve uma política de Estado voltada para o aperfeiçoamento humano, voltada para a formação de valores humanísticos, voltada para a formação de seres humanos capazes de se inserir com qualidade em um mundo novo que se avizinhava e que vai se delineando cada vez mais como um mundo onde é necessário não apenas a formação técnica-científica, mas também a habilidade para tomar decisões, solucionar problemas, ter autonomia intelectual. O fim último da entrada da grande massa de estudantes que hoje estão em ambiente escolar, foi e continua sendo tão somente sua precária inserção no sistema produtivo.
Não há dúvida que o analfabetismo tem seus dias contados, o novo conceito agora é o do analfabeto funcional, conceito este existente apenas em países de terceiro mundo como o Brasil. Não resta dúvida também, que estamos implementando uma política educacional formadora de mão-de–obra de péssima qualidade e de formação humana nenhuma. Não há no Brasil uma política de Estado voltada para a formação de mão de obra de boa qualidade e de cidadãos aptos para o exercício da democracia. Não há interesse em se formar cidadãos críticos neste país.
As classes dominantes já não são as únicas a irem para as universidades mas são as únicas a fazerem os doutoramentos e pós-doutoramento que é exigência de mercado hoje. E as coisas afinal de contas, continuam muito parecidas, atores mudaram, o cenário mudou, a roupagem mudou, mas em essência, tudo permanece o mesmo. Se antes as massas populares eram analfabetas porque não havia necessidade de alfabetização para o trabalho, hoje, se elas entram nas escolas, é porque o mercado assim o exige, no entanto que lhes seja ensinado apenas o suficiente para lhes retirar do analfabetismo, apenas para que possam mover a máquina pública, a burocracia, e ponto final. Passamos agora a criar o analfabeto funcional. Cidadania, ora isso é coisa para os ricos, para a classe média alta que nem mais se preocupa com o terceiro grau, mas sim com os doutoramentos e os outros pós.
Para a massa da população resta uma educação de última qualidade, resta uma educação entregue as traças, cuja finalidade é apenas retirar o individuo do analfabetismo para que possa servir aos interesses do capital e render muitos, muitos votos para os políticos. E enquanto isto, o país vai a deriva, como um barco a velas, solto na imensidão de um grande oceano.
E as perguntas que deixo são: mudou a visão que as elites brasileiras têm da educação tanto as de ontem quanto as de hoje? Mudou a sua visão de sociedade?

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Para Meditar

Como viver sem parar por uns momentos durante o dia para podermos observar a nós mesmos?
Como viver sem sentir o coração pulsando, o movimento dos braços, das pernas; sem sentir o próprio ser que caminha pelo dia?
Como viver sem olhar para onde estamos indo? Para o que estamos fazendo? Sem reverenciar a nos mesmos e aos outros pelos desafios cotidianos que enfrentamos?
Como viver sem olhar para dentro a permitir que o vazio cresça dentro de nós e a presença do que é divino se faça sentir?
Como é possível viver apenas para o lado de fora sem buscarmos o necessário equilíbrio que é encontrado somente quando usamos nossa sensibilidade, nossa interioridade?
É no silêncio interior, que cresce quando paramos de correr e fechamos nossos olhos, que percebemos a grandeza das coisas, a sutil música da existência, a paz e a felicidade que tanto almejamos.
É no silenciar da mente que nos deparamos com a beleza das coisas que nos rodeiam porque, somente assim, temos a experiência direta do sentir sem as muralhas julgadoras do pensamento.
É no silenciar da mente que conseguimos compreender nossa própria existência, nossa razão de ser, nosso delírio, nosso propósito, a divindade que também reside em nós; a música celestial que recobre nosso planeta e a nós mesmos.
Sem silenciarmos a mente, mesmos que por uns poucos momentos, é impossível sentirmos o perdão, a sabedoria, a vocação inerente a todos os seres humanos para o amor.
Silenciar a mente, portanto, não é um luxo, uma atitude de elite, uma ociosidade ou um momento de devaneio, é uma necessidade do espírito que precisa ser ouvido em sua tão infinita beleza e sabedoria. Uma jóia que nos dá força, coragem, energia, discernimento e amor para o profundo ato que é viver.

Queimadas

Mais um Setembro se inicia
E mais uma vez se inicia também
A queima de minhas matas.

Por que me tratam assim?
Por que me despem de minhas verdes vestes de forma tão brutal?
Acaso ando eu a tratar tão mal meus filhos diletos?
Acaso lhes deixo sem água para matar vossa sede
Ou alimento para saciar vossa fome?

Vocês humanos são meus filhos diletos

A vocês dei não somente vida como aos outros animais
Mas também inteligência para melhor me conhecer
E extraírem tesouros que possuo escondidos
Em locais que só com sua inteligência podem ser alcançados

A vocês dei abundância de água, de terra e ar
E no entanto, vós, com suas mesquinhas iras, suas intestinas lutas
De seres humanos imaturos, tocam fogo em minhas verdes camadas
Que ressecam minha pele, matam animais, destroem rios, acabam
Com a diversidade da vida e poluem o ar

O que querem vocês?

Alguém, alhures, já disse que fazer mal a terra
É fazer mal aos filhos da terra
E todos vocês são meus filhos
Vieram de minhas entranhas e para lá hão de voltar.

Por que maltratam a mim e a seus irmãos irracionais?
Acaso não me reconheceis como sua mãe?
Acaso não reconheceis os outros animais como vossos irmãos?
Quando os gerei com sua inteligência
Pensei no melhor
Pensei no mais belo de minha criação
Pensei no apogeu de minha criatividade
Mas não pensei que esta poderia ser também
A minha própria destruição e de todos os filhos outros que gerei

Sei que tentei o belo, sei que tentei o bom
No entanto, não foi o suficiente
Não foi o bastante lhes dar a inteligência
Era preciso sobretudo lhes dar a sabedoria e o amor
Que ficou escondido em algum lugar
Guardado no fundo de seu imaturo peito

E por isto, vendo hoje os Setembros chegarem, vendo os Outubros e
Os outros meses quentes chegarem, olho para meus outros tantos
Filhos mortos e feridos por seu insano ato
De queimar minhas verdes coberturas, e lhes peço perdão

Às vezes por ter criado vocês humanos,
Às vezes por ter esquecido de lhes colocar
Um pouco mais de amor no coração

Sei que foi por pouco, sei que foi por um triz
O amor apenas não ficou a vista de vocês
Pensei que com a grande inteligência que lhes provi
Vocês o encontrassem

Mas como dói meu erro

E agora sou obrigada a dizer:

Filhos, como mãe, como terra,
Como senhora de toda a criação deste planeta
Se quiserdes continuar a existir cá em mim,
Pensem no que estão a fazer
Reflitam sobre a destruição que provocais e usem um pouco mais
Aquilo que de bom coração deixei a vocês:

A inteligência.